Diante de todas as intervenções humanas sobre a natureza e a manipulação dos recursos disponíveis, você já pensou na possibilidade de ultrapassar a barreira do que é visível a olho nu e participar dos processos de modificações de partículas tão pequenas, como um gene?
De maneira geral, essa dúvida foi muito incômoda para a maioria dos geneticistas e profissionais que lidam com a biologia celular e molecular desde muito tempo; foi necessário muito estudo para podermos afirmar a possibilidade dessa modificação. Duas décadas depois da descoberta do DNA por Watson e Crick, geneticistas tentam desenvolver pesquisas e processos laboratoriais para a manipulação e intervenção do DNA. Como resultado de todos esses estudos, a Engenharia Genética se apresenta como um dos principais pilares da Biotecnologia, e é uma área dedicada às técnicas de manipulação do DNA por meio de recombinações gênicas, a fim de produzir organismos melhorados, visando, por exemplo, o menor custo de produção desse organismo, a facilidade dessa produção e o aprimoramento estrutural genético dele, sendo essas técnicas usadas para espécies tanto animais, quanto vegetais.
Parecia irreal para a maioria dos cientistas — inclusive, alguns que contribuíram muito para a área não puderam acompanhar seu avanço — que fosse possível fazer modificações em espécies em uma única geração já que antes levaria dez e até centenas de gerações. Os avanços dessa área só foram possíveis mediante às descobertas de conhecimentos fundamentais como o esclarecimento da estrutura do DNA, o reconhecimento de padrões dessa estrutura e a decodificação do código genético, além do saber que o código genético é, de certa forma, o mesmo em quase todos os organismos vivos. A natureza por si só já é uma “engenheira da genética”, no entanto, coube a nós, humanos, desvendar e entender como algumas mutações e modificações poderiam acontecer e se seria possível fazermos, por meio da intervenção humana, essas mesmas mudanças.
De um panorama histórico, a Engenharia Genética vem ganhando espaço a cada dia, por exemplo, a descoberta de que algumas bactérias possuíam um mecanismo de defesa contra vírus: àquelas que sobreviveram aos ataques dos vírus, guardavam parte do material genético deles no próprio genoma numa região denominada CRISPR, e quando a bactéria é novamente atacada, ela faz uma cópia desse material e produz um RNA complementar guia, que se liga à enzima Cas9, que funciona como uma tesoura molecular e é guiada para cortar a parte do DNA do vírus que estava guardado na bactéria. Esse mecanismo existe há bilhões de anos na natureza, mas a descoberta dele contribuiu para a técnica CRISPR-Cas9 — Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, o nome específico não nos interessa tanto, mas a descoberta consagrou à Jennifer Doudna e à Emmanuelle Charpentier o Prêmio Nobel da Química em 2020. As cientistas descobriram que essa função poderia ser programável e, portanto, que a CRISPR poderia ser usada para alterar o RNA guia e, quando associado com a enzima Cas9, guiar a enzima para recortar qualquer coisa, não apenas os fragmentos dos vírus, e, a partir desse corte, é possível colocar outros elementos como substituição; resumidamente, ganhamos a habilidade de edição de sequenciamento genético. A revolução genética com o uso da Engenharia Genética está só começando, e você não quer ficar fora dessa, né?
A SAEQA, em 2021, pretende mostrar o universo de possibilidades de atuação da engenharia, assim, queremos mostrar a você como um Engenheiro Químico e um Engenheiro de Alimentos podem atuar na área da Engenharia Genética e conhecer ainda mais os caminhos do futuro da ciência e das novas tecnologias, sendo você, inclusive, um possível desenvolvedor delas.
O Engenheiro Químico pode, atualmente, atuar na Engenharia Genética, mas é necessária uma dedicação exclusiva para a atuação direta, visto que apenas os conhecimentos obtidos na graduação não lhe conferem caráter especialista. No entanto, a Engenharia Química está muito relacionada aos processos biotecnológicos e de bioprocessos, sendo essencial que exista um Engenheiro Químico para o controle e até desenvolvimento desses processos. Por exemplo, um estudo realizado em colaboração com diversos países (inclusive o Brasil) e relatado no New Phytologist, descobriu-se possível tornar gramíneas mais digeríveis, por meio de manipulação genética, alterando algumas estruturas da parede celular dessas plantas, criando, então, plantas geneticamente modificadas. Portanto, trazer esses estudos para a escala industrial é um dos trabalhos de um Engenheiro Químico, que está apto a escalonar processos e trazer a escala laboratorial para as grandes indústrias. “Fazer a molécula trabalhar para nós” é a especialidade de um profissional da área, então nada nos impede de fazer, agora, “a genética trabalhar para nós”, desenvolvendo melhores produtos, mais sustentáveis, biocompatíveis e com melhores propriedades. De maneira geral, embora as técnicas clássicas existentes atenderem às expectativas da indústria, é pertinente desenvolver novas técnicas que melhorem os processos de produção de matérias-primas, e o uso da engenharia genética para usar os melhores micro-organismos capazes de fermentar compostos complexos, por exemplo, é essencial para o avanço dessas tecnologias e otimização dos processos industriais em larga escala.
Para o Engenheiro de Alimentos a realidade não é diferente! Desde a sua descoberta, as manipulações genéticas contribuíram muito para o setor alimentício, principalmente pelos organismos geneticamente modificados ou transgênicos, que possibilitaram novas perspectivas para a agricultura e, posteriormente, para as indústrias de alimentos. Embora ainda haja muita discussão sobre esse tema, é fato que a acumulação de variantes genéticas foi essencial para a eficiência do cultivo de espécies que usamos na alimentação e nas indústrias. Durante o século XX e até hoje, a Genética tem sido utilizada com este propósito e é responsável pelo aumento da produção agrícola; as principais características introduzidas às plantas para colheita foram a resistência a herbicidas, resistência a inseticidas e ataques de hospedeiros indesejados, maior tolerância à temperatura e questões climáticas, e outras características qualitativas como aumento de minerais, vitaminas, proteínas e etc. E, cabe ao engenheiro de alimentos ter uma visão sistêmica dessa produção e entender desde a técnica até aos processos industriais da melhor forma possível para a introdução dessas inovações genéticas na cadeia de produção.
Portanto, entender que a Engenharia está percorrendo todos os espaços e está determinada a mudar a realidade que vivemos é essencial para sabermos nossa posição como engenheiros: buscamos, acima de tudo, uma melhor qualidade de vida para todos, de forma a otimizar processos e entender as demandas da sociedade. A Engenharia Genética tem muito ainda para evoluir e podemos ajudar nessa evolução. Cabe a nós a vontade e a determinação de reinventarmos nossas técnicas e buscarmos novas soluções para os problemas atuais. Vamos juntos!
Texto escrito por Artur Coelho Finardi.
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REFERÊNCIAS:
Candeias, José Alberto Neves. A engenharia genética. Revista de Saúde Pública [online]. 1991, v. 25, n. 1 [Acessado 27 Junho 2021] , pp. 3-10. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0034-89101991000100002>
CORDEIRO, M. C. R; Engenharia genética: conceitos básicos, ferramentas e aplicações. 1. ed. Planaltina, DF: Embrapa, 2003. Disponível em: <http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/568132>
GASPAR, P. J; Alimentos Geneticamente Modificados: A Engenharia Genética no nosso prato. 2009
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